A pouco mais de 7 meses das próximas eleições gerais, três dos 7 partidos com assento no Parlamento, no fundo os únicos que disputam verdadeiramente o poder, já definiram os respectivos rostos eleitorais.
Com a questão do “candidato natural” há muito arrumada, uma matéria que, aparentemente não gera ondas no seio do partido, o MPLA é, dentre todos os principais concorrentes, o que experimentará maior turbulência não apenas para compor a sua lista de candidatos, mas também para escolher o vice de João Lourenço.
No seu “formato” actual, o vice-Presidente Bornito de Sousa limita-se a deslocações ao aeroporto para as cerimónias de despedida e de recepção do Presidente da República, a audiências a representantes de pequenos grupos sociais e pouco mais.
Se o Presidente da República quisesse dar visibilidade ao seu vice ter-lhe-ia confiado a coordenação da área social do Executivo, com o que, com uma só cajadada, se mataria dois coelhos: pouparia os recursos hoje requeridos por Carolina Cerqueira e sua “tropa” e daria algum trabalho ao vice-Presidente da República.
Mas, homem de decisões repentinas e apertadas, muitas das quais não amadurecidas e nem sequer discutidas com os seus pares da direcção do MPLA, aparentemente João Lourenço terá mudado de ideia.
Nos últimos dias têm circulado insistentes informações na “Sede” dando conta que João Lourenço escolheu para sua parceira de “chapa” a médica Sílvia Lutucuta, ministra da Saúde.
Aos próximos, João Lourenço teria justificado a troca da Carolina por Sílvia Lutucuta, duas confessas desafectas, com a necessidade de emprestar alguma “tonalidade ovimbundu” à Presidência da República.
A ser verdadeira, a justificação de João Lourenço para a “mudança de rota” não resistiria à uma análise política séria.
Não é a distribuição étnica do poder que alimenta o descontentamento popular. O desencanto com a governação do MPLA é transversal a todas as etnias e tribos que compõem Angola.
O actual vice-presidente da República, Bornito de Sousa, é malangino. Mas, como se sabe, Malange é das provinciais mais maltratadas pelo Governo. Ernesto Muangala, governador da Lunda Norte, nasceu em Cambulo, naquela província, mas é contestado unanimemente pelos seus conterrâneos. Natural de Cabinda, Austo Tomás foi seu governador, mas não deixou saudades por aquelas paragens. Natural daquela província, enquanto governador de Malange a Boaventura Cardoso é atribuída a afirmação segundo a qual os “sobas de Malange cheiram mal”.
A eventual indicação de Sílvia Lutucuta para disputar a vice-presidência da República em virtude das suas origens é um “bálsamo” que não cura nada. O povo ovimbundu não se renderá incondicionalmente ao MPLA pelo simples eventualidade de vir a ter uma das suas na vice-presidência da República. Do mesmo modo que todos os mestiços angolanos não se converteriam ao MPLA se a escolhida para a vice-presidência fosse a Carolina Cerqueira.
O Presidente João Lourenço é, de facto, uma permanente caixa de surpresas.
Em 2019, por ocasião do congresso que o consagrou como presidente do MPLA, “descobriu” que a discriminação da mulher pelo homem se extinguiria não pela via do mérito, mas com a promoção da paridade.
Mas em Maio de 2020 impôs condições para a promoção da mulher.
No acto de empossamento de Joana Lina no cargo de governadora de Luanda e após sublinhar que “começámos com uma (mulher-governadora provincial), hoje, estamos com quatro e não vamos ficar por aqui”, João Lourenço estabeleceu as condições para continuar a promover mulheres para o exercício de cargos governativos. “Se vocês trabalharem bem, isso vai encorajar-nos a nomear outras mulheres”.
O Presidente da República nunca colocou tais condições aos homens que empossa.
Imprevisível, não se sabe se para a putativa escolha de Sílvia Lutucuta o Presidente João Lourenço ponderou, simultaneamente, a origem étnica, o “bom” trabalho (algo que é contestado pela generalidade da classe médica), o equilíbrio do género ou se levou em consideração outros factores.
Apesar da conhecida submissão do MPLA ao seu líder, é previsível que a putativa indicação de Sílvia Lutucuta agite um pouco as águas…
Depois de em Dezembro haver elevado para o Comité Central uma jovem com idade para, no máximo, estar no Comité Nacional da JMPLA, João Lourenço pode estar muito próximo de impor ao partido a sua vontade pessoal.
Até há pouco Sílvia Lucututa era apontada como a mais forte candidata à substituição de Carolina Cerqueira no cargo de Ministra de Estado para a Área Social.
Os recentes desenvolvimentos alteram substancialmente os dados do problema, e as relações entre ambas, que já não eram amistosas, podem agora “evoluir” para um estágio muito perigoso.
Doravante, os serviços de protocolo de uma e de outra terão de providenciar que ambas não se cruzem em nenhum corredor e menos ainda que se encontrem num mesmo elevador.
Homem culto e instruído, Bornito de Sousa há muito que se pôs à margem da disputa pela vice-presidência.
Aliás, neste mandato que caminha para o fim ele teve a certeza de que “nada cresce debaixo de uma grande árvore”. Também teve tempo para reflectir sobre o alcance de uma afirmação proferida pelo seu camarada de partido, Pitra Neto, na ressaca da vitória eleitoral de 2008, segundo a qual “o vice é a sombra e a sombra não brilha”.
Num encontro informal com jornalistas, em Março de 2020, Bornito de Sousa falou-lhes da sua indisponibilidade para um segundo mandato à sombra de João Lourenço.
Fonte: Correio angolense